Venda de sentenças: relembre caso que completa um mês e abalou a justiça de MS

Cinco desembargadores são investigados por suspeita de venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Magistrados foram afastados ...

Venda de sentenças: relembre caso que completa um mês e abalou a justiça de MS
Venda de sentenças: relembre caso que completa um mês e abalou a justiça de MS (Foto: Reprodução)

Cinco desembargadores são investigados por suspeita de venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Magistrados foram afastados em 24 de outubro e são monitorados por tornozeleiras eletrônicas. Servidores do judiciário, procurador de Justiça, empresários, advogados e desembargadores aposentados também estão na lista de suspeitos. Desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul afastados. Reprodução A justiça de Mato Grosso do Sul foi surpreendida no dia 24 de outubro deste ano após a operação Ultima Ratio, da Polícia Federal e Receita Federal, afastar cinco desembargadores suspeitos de vender sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS). O caso que abalou a justiça do estado completa um mês no próximo domingo (24). ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 MS no Whatsapp A medida ocorreu após determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que exigiu, ainda, o uso de tornozeleira eletrônica pelos magistrados. O monitoramento iniciou doze dias depois da deflagração da operação, em 5 de novembro. Foram afastados por 180 dias: Sérgio Fernandes Martins, presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul; Sideni Soncini Pimentel, presidente do TJ eleito para 2025 e 2026; Vladimir Abreu da Silva, vice-presidente eleito também para os próximos dois anos; Alexandre Bastos, desembargador; Marcos José de Brito Rodrigues, desembargador. Os magistrados também estão proibidos de acessar as dependências dos órgãos públicos e de se comunicarem com outras pessoas investigadas. Além deles, outros servidores do judiciário, um procurador de Justiça, empresários e advogados - alguns deles filhos dos desembargadores - são investigados por lavagem de dinheiro, extorsão, falsificação e organização criminosa. Dois desembargadores aposentados também estão na lista de suspeitos envolvidos no suposto esquema. (Entenda mais abaixo como agiam os desembargadores na venda de sentenças) No dia 26 de outubro, a investigação saiu das mãos do ministro Francisco Falcão, do STJ, e ficou sob responsabilidade do ministro Cristiano Zanin, do STF. Com a decisão, todo material apreendido, como celulares, computadores, anotações, agendas e mídias eletrônicas, ficou remetido ao STF. Desde então, cabe ao ministro Zanin requisitar à direção da PF uma nova equipe para seguir com a investigação sob sua relatoria. O caso segue em segredo de justiça e STF e STJ não disponibilizam detalhes sobre o andamento do processo judicial. O Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul informaram que também não vão se posicionar. Os cargos dos magistrados afastados foram ocupados por juízes convocados pelo TJMS no dia 30 de outubro. Confira aqui quem são os substitutos. O g1 tenta contato com a defesa dos magistrados desde o início da operação mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem. Afastamento de desembargadores por suspeita de venda de sentenças no TJMS completa um mês. g1 MS Como agiam os desembargadores O inquérito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) detalha a relação dos cinco desembargadores e a formação de ampla rede de esquema para vender sentenças. A Polícia Federal também vê indícios de que o suposto esquema envolvia seus filhos advogados. Veja abaixo como agia cada magistrado: Sérgio Fernandes Martins Sérgio Fernandes Martins. Reprodução A investigação da PF revela a articulação entre o desembargador Sérgio Fernandes Martins e o advogado Félix Jayme, apontado como intermediador nas compras de sentenças. O advogado é ex-sócio de Sérgio e a relação entre ambos é interpretada pela polícia como de “forte vínculo”. “Sérgio Fernandes Martins é um dos desembargadores envolvidos na investigação por possível venda de decisões judiciais e, portanto, em 2006 advogava com seu então sócio Felix Jayme, possível adquirente das decisões sob investigação”, destaca documento da PF. Segundo a PF, uma troca de mensagens entre o desembargador e Félix Jayme, em abril de 2019, aponta a existência de indícios de que o magistrado recebeu pagamento indevido para obtenção de decisão favorável em um julgamento. Félix é suspeito, ainda, de antecipar o resultado do julgamento em troca de mensagens com o servidor do TJMS, Danillo Moya Jerônimo citando “vitória” com “placar de 3x2”.“Tô ticado um julgamento das 14h de hoje, sai agora do TJ, vou faturar por 3×2 (…) Pqp, leilão danado kkkk (…) Cada um quer mais que o outro’”, detalha a troca de mensagens. Outra troca de mensagem entre Félix e Danillo após o resultado oficial do julgamento confirma a suspeita da polícia de corrupção envolvendo a compra de sentenças. Além do envolvimento de Sérgio Fernandes Martins na venda de sentenças, a investigação também revela aumento do patrimônio do desembargador de forma atípica nos últimos anos. Segundo a PF, entre os bens adquiridos pelo magistrado estão carros e inúmeras cabeças de gado, comprados com dinheiro em espécie. O crescimento patrimonial do magistrado foi identificado pela PF através de prints e notas fiscais emitidas desde 2017 e que mostram movimentação de R$63 mil na compra de 80 cabeças de gado. Outro fator que chamou a atenção dos investigadores foi o aumento de valor em espécie declarado como saldo por Sérgio entre 2022 e 2023. O montante passou de R$38.770,00 para R$102.957,90, ou seja, quase triplicou. “Os dados bancários disponíveis não indicaram saques em espécie que pudessem justificar esse aumento. Ademais, frente aos dados fiscais por ele declarados, não se verificou qualquer venda de patrimônio que permitisse supor recebimento em espécie. Desse modo, resta o questionamento da origem do capital declarado em espécie”, aponta a investigação. O g1 não conseguiu contato com o advogado Félix Jayme até a última atualização desta reportagem. LEIA TAMBÉM PF vê indícios de que presidente afastado do TJMS agiu para favorecer desmatamento do Parque dos Poderes em Campo Grande Filhos de desembargadores suspeitos de vender sentenças em MS tinham suposto tratamento privilegiado na compra de decisões, aponta investigação Sideni Soncini Pimentel Sideni Soncini Pimentel. Reprodução A participação do desembargador Sideni Soncini Pimentel no esquema da venda de sentenças tem como principal articulador seu filho Rodrigo Gonçalves Pimentel, conforme aponta a PF. Análises bancárias realizadas pela polícia identificam transações incomuns entre Rodrigo Pimentel e o advogado Félix Jayme, o mesmo que antecipou resultado de julgamento e tem ligação com o desembargador Sérgio Fernandes Martins. Entre as transações bancárias está a transferência de R$100 mil feita por Félix Jayme à conta de pessoa jurídica de Rodrigo Pimentel. Além disso, uma transferência de R$66.830,00 feita de Rodrigo Pimentel para seu pai, Sideni Pimentel, é vista pela polícia com uma comprovação do forte vínculo entre pai e filho. Outra suspeita é a de que Sideni Pimentel e seus filhos, Rodrigo Pimentel e Renata Pimentel, ocultam informações sobre imóveis, que não foram declarados pela família. Renata teria, também, ocultado mais de R$4,1 milhões em veículos. O g1 não conseguiu contato com Rodrigo Pimentel e Renata Pimentel até a última atualização desta reportagem. Vladimir Abreu da Silva Vladimir Abreu da Silva. Reprodução O esquema investigado pela Polícia Federal revela, além da atuação dos desembargadores e servidores do TJMS, participação de advogados filhos dos magistrados. Entre eles, Ana Carolina Machado Abreu da Silva e Marcus Vinícius Machado Abreu da Silva, filhos de Vladimir Abreu, e Rodrigo Pimentel, filho do magistrado Sideni Soncini Pimentel. Conversas e quebra de sigilo telefônico comprovaram à polícia que os três advogados utilizavam seus escritórios para obter vantagens ilícitas em ações judiciais através da articulação com os desembargadores. Os escritórios dos filhos de Vladimir chegaram a receber, entre 2014 e 2023, quase mil depósitos de dinheiro em espécie dos quais 400 variavam de R$1 mil a R$2 mil. Para a PF, o objetivo é demonstrar que o dinheiro proveniente de supostas vendas de sentenças pelos filhos também poderia ser de seus pais desembargadores. “Quanto à análise dos dados bancários e fiscais, ressalta-se a existência de declarações de empréstimos à Receita Federal por Ana Carolina Abreu e Marcus Vinícius Abreu, tendo como credor o desembargador Vladimir Abreu, sem que tenham sido identificadas transferências bancárias compatíveis entre eles, concluindo pela existência de confusão patrimonial”, destaca o documento da PF. Outra análise feita na investigação interpretada pela polícia como mais um indício da participação de Vladimir no esquema de venda de decisões judiciais, diz respeito a cerca de R$450 mil disponíveis na conta bancária do magistrado. ““É incomum armazenar essa quantidade de dinheiro como ‘disponibilidades em caixa’ atualmente, sem saber a origem dos mais de R$ 500 mil aparentemente declarados em espécie por Vladimir Abreu”, observa a PF. Alexandre Aguiar Bastos Alexandre Aguiar Bastos Reprodução As suspeitas do envolvimento do desembargador Alexandre Aguiar Bastos no esquema das decisões judiciais surgiu após a Polícia Federal constatar a compra de imóveis, carros e até motos aquáticas sem que as aquisições fossem identificadas nas movimentações bancárias do magistrado. Segundo a polícia, Alexandre Aguiar também possui ligação com o advogado Félix Jayme que tentou fraudar licitações de prestação de serviços para favorecer o escritório de Alexandre quando este ainda era advogado. Assim como os desembargadores Vladimir Abreu e Sideni Pimentel, houve participação dos filhos de Alexandre Bastos no esquema. Após assumir como desembargador, o escritório de Alexandre passou a ser gerido pelos filhos que atuavam em processos advocatícios. O escritório chegou a ser contratado por diversas prefeituras em Mato Grosso do Sul para prestar serviços de advocacia. “O desembargador julgou ao menos três processos nos quais as prefeituras municipais figuravam como partes, no mesmo período em que sua filha, Camila Cavalcante Bastos Batoni, atuava na consultoria jurídica ou prestava serviços jurídicos por meio do referido escritório”. A investigação detectou transferências bancárias entre os escritórios dos filhos dos desembargadores Alexandre Aguiar Bastos e Sideni Pimentel. Todos os pagamentos foram feitos “dando provimento a recurso interposto pelo advogado”, filho de Bastos. “A Autoridade Policial aponta, ainda, comunicações pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) sobre operações suspeitas realizadas por servidores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e assessores do desembargador Alexandre Aguiar Bastos, envolvendo dinheiro em espécie e pagamentos de boletos, também em espécie, em favor do magistrado”, detalha a operação da PF. LEIA TAMBÉM Desembargador suspeito de venda de sentenças julgava processos de prefeituras que tinham filha como advogada, aponta PF 'Tá barato, prefeito': mensagens mostram como alvos negociavam sentenças em tribunal do MS, diz PF Coaf apontou movimentações atípicas de desembargadores suspeitos de vender sentenças Marcos José de Brito Rodrigues Marcos José de Brito Rodrigues Reprodução O inquérito policial aponta que o desembargador Marcos José de Brito Rodrigues interferiu em decisões de outros magistrados para beneficiar uma das partes de processos. A suspeita também surgiu a partir de movimentações financeiras sem informações sobre a origem do dinheiro. A polícia também suspeita de envolvimento dos filhos de Marcos Brito na venda de sentenças. A participação deles estaria ligada, ainda, ao desembargador aposentado Divoncir Maran, cujo filho é sócio dos filhos de Marcos Brito. No inquérito, Marcos Brito é investigado, ainda, por favorecimento ao procurador do Ministério Público de Mato Grosso do Sul e fazendeiro, Marcos Antônio Martins Sottoriva, em processo que envolve a compra de uma fazenda. O procurador queria desistir da compra da fazenda e adiar o pagamento de uma dívida de R$ 5 milhões. Conforme aponta o inquérito, Sottoriva enviou ao desembargador Marcos José de Brito Rodrigues o número de um recurso de agravo de instrumento contra decisão de 1º grau que negou liminar no processo ajuizado pelo procurador. Para os investigadores, Marcos José de Brito Rodrigues não chegou a acessar os autos e teria, ainda, solicitado a seu assessor a elaboração e assinatura da liminar favorável. O documento foi concedido pelo desembargador em março de 2020, conforme consta no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Em abril de 2020, um mês após o desembargador conceder liminar favorável aos procurador, Marcos Sottoriva enviou mensagem em agradecimento ao pedido atendido. "Graças a Deus e ao seu trabalho acabamos por fechar um acordo. Consegui alongar a dívida em mais uma parcela. Obrigado de coração. Boa Páscoa na bênção de Deus e de seu filho Jesus Cristo", escreveu Sottoriva. A mensagem enviada ao desembargador levou a investigação a entender que houve favorecimento indevido em razão do cargo ocupado pelo procurador. LEIA TAMBÉM Procurador é suspeito de ter sido beneficiado por desembargador em compra de fazenda 'Supersalários' Os desembargadores afastados do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) Sérgio Fernandes Martins, Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Aguiar Bastos, Sideni Soncini Pimentel, Marcos José de Brito Rodrigues receberam "supersálarios" que chegam a R$ 200 mil líquidos, de acordo com o Portal da Transparência do Tribunal de Justiça (veja detalhes mais abaixo). O salário-base de desembargador em Mato Grosso do Sul é de R$ 39.717,69 mas a composição abrange uma série de vantagens não especificadas pelo TJMS que chegam a quintuplicar o valor líquido recebido mensalmente. O desembargador Marcos José de Brito Rodrigues, por exemplo, recebeu salário líquido de R$ 209.198,42 em fevereiro deste ano. Na composição do salário dos magistrados constam acréscimos como "vantagens pessoais" e "vantagens eventuais". O g1 entrou em contato com o TJ para saber detalhes dessas vantagens e em quais situações elas são concedidas, mas não tinha recebido resposta até a última atualização desta reportagem. Para entender como é composto o salário de um desembargador, o g1 reuniu as informações do Portal da Transparência referente ao pagamento feito aos magistrados em setembro. Confira: Alexandre Aguiar Bastos Vantagens pessoais: R$ 18.894,30 Subsídio, Função de Confiança ou Cargo em Comissão (salário-base): R$ 39.717,69 Indenizações: R$ 23.167,33 Vantagens eventuais: R$ 10.061,82 Rendimento líquido (salário líquido): R$ 67.603,77 Marcos José de Brito Rodrigues Vantagens pessoais: R$ 16.090,61 Subsídio, Função de Confiança ou Cargo em Comissão (salário-base): R$ 39.717,69 Indenizações: R$ 23.167,33 Vantagens eventuais: R$ 59.576,53 Rendimento líquido (salário líquido): R$ 100.556,86 Sérgio Fernandes Martins (Presidente do TJMS) Vantagens pessoais: R$ 47.619,45 Subsídio, Função de Confiança ou Cargo em Comissão (salário-base): R$ 39.717,69 Indenizações: R$ 23.167,33 Vantagens eventuais: R$ 20.785,99 Rendimento líquido (salário líquido): R$ 90.048,68 Sideni Soncini Pimentel Vantagens pessoais: R$ 19.268,03 Subsídio, Função de Confiança ou Cargo em Comissão (salário-base): R$ 39.717,69 Indenizações: R$ 23.167,33 Vantagens eventuais: R$ 9.929,42 Rendimento líquido (salário líquido): R$ 61.927,16 Vladimir Abreu da Silva Vantagens pessoais: R$ 15.296,26 Subsídio, Função de Confiança ou Cargo em Comissão (salário-base): R$ 39.717,69 Indenizações: R$ 23.167,33 Vantagens eventuais: R$ 0 Rendimento líquido: R$ 51.997,74 Os altos valores pagos aos desembargadores também se repetiram ao longo de 2024. Em março, por exemplo, o presidente do TJMS, Sérgio Fernandes Martins recebeu R$134.332,05. Já no mês de agosto, Alexandre Aguiar Bastos recebeu R$ 153.257,36, e Sideni Soncini Pimentel, R$ 125.397,40. Os valores estão entre os maiores salários recebidos entre os cinco investigados neste ano. Ultima Ratio A operação Ultima Ratio, que afastou os desembargadores, foi deflagrada em 24 de outubro. A Polícia Federal cumpriu 44 mandados de busca e apreensão em Campo Grande, Brasília, São Paulo e Cuiabá. Durante a operação, foram apreendidas diversas armas na casa de dois desembargadores. Além disso, foram encontrados mais de R$ 3 milhões em espécie. Somente na casa do desembargador aposentado, Júlio Roberto Siqueira Cardoso, foram encontrados R$ 2,7 milhões em espécie. Além de notas de R$50, R$100 e R$200, a PF também encontrou dólares. Na casa do desembargador foram apreendidos, ainda, documentos, mídias, computadores e celulares. Investigados na operação Ultima Ratio passam a ser monitorados por tornozeleira eletrônica Veja vídeos de Mato Grosso do Sul:

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